O Futuro do Câncer de Bexiga Não Músculo-Invasivo: Do Microscópio à IA Clínica
- Dr. Bruno Benigno
- há 6 dias
- 8 min de leitura
Entenda por que os sistemas de estratificação clássicos estão ultrapassados e como a inteligência artificial está revolucionando a prática urológica.
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Parte 1 – Introdução, Contexto Global e Missão do IBCG
O que é o IBCG e sua Relevância na Prática Urológica Atual
O International Bladder Cancer Group (IBCG) é uma coalizão internacional de especialistas cuja missão é melhorar os desfechos clínicos em câncer de bexiga por meio da adoção de tratamentos baseados em evidência e da produção de ferramentas educacionais práticas e globais. Fundado em 2006, o grupo tem atuação significativa não apenas na América do Norte e Europa, mas também em países da Ásia, América Latina e Oriente Médio.
Iniciativas e Impacto Científico
Entre as ações de destaque do IBCG estão:
A criação de um registro global de pacientes com câncer de bexiga (em colaboração com BCAN nos EUA);
Participação ativa na elaboração de diretrizes locais em países como Chile;
Desenvolvimento de publicações científicas com impacto em decisões regulatórias (ex: uso pelo FDA de modelos de decisão do IBCG);
Parcerias com instituições como o Ministério da Saúde de países em desenvolvimento e plataformas como a UroToday.
Papel Educacional e Avanços Tecnológicos
O grupo tem apostado fortemente na disseminação de conhecimento por meio de reuniões presenciais e virtuais, newsletters, vídeos e participação em congressos como a AUA. Um dos temas centrais do evento mais recente foi a incorporação de inteligência artificial (IA) e biomarcadores na estratificação de risco dos tumores não músculo-invasivos (NMIBC), especialmente no grupo intermediário – uma zona cinzenta na prática clínica.
Parte 2 – Estratificação de Risco no Câncer de Bexiga Não Músculo-Invasivo (NMIBC): Avanços com IA
Desafios do Sistema Atual
A estratificação de risco tradicional (ex: EORTC e EAU) baseia-se em dados desatualizados:
Muitos pacientes desses modelos não receberam terapia com BCG;
A classificação histológica utilizada (WHO 1973) não é a mais recente;
A acurácia prognóstica é limitada, especialmente para o grupo intermediário.
Estudo Multicêntrico Internacional com IA
Um consórcio internacional reuniu mais de 12.000 pacientes com NMIBC (dados da América do Norte, Canadá e Europa) para treinar e validar um modelo de IA com:
Conjunto de treinamento com >3.000 pacientes;
Validação externa com >9.000 pacientes.
Principais Resultados
Modelo Avaliado | C-Index | Calibração | Curva de Decisão | Benefício Clínico |
Calculadora EAU tradicional | Inferior | Menos precisa | Menor | Limitado |
Modelo com IA | Superior | Ótima | Melhor desempenho | Amplo |
O modelo com IA superou significativamente a calculadora EAU, tanto nos centros acadêmicos quanto nos comunitários, independentemente do uso de BCG, da aderência às diretrizes ou da classificação patológica adotada.
Redefinindo o Risco Intermediário
A IA permitiu dividir pacientes com risco intermediário em três grupos distintos:
Baixo risco de progressão (<2%) – Semelhante ao grupo de risco baixo;
Risco intermediário (7%) – Verdadeiramente moderado;
Alto risco de progressão (17%) – Similar ao grupo de risco alto.
Isso representa um avanço prático considerável para a tomada de decisão clínica, sobretudo em relação à indicação de BCG, vigilância ativa ou tratamentos alternativos.
Parte 3 – Inteligência Artificial na Histopatologia: Complemento ou Revolução?
O Papel da Histopatologia Convencional
Apesar das limitações conhecidas — como a variabilidade interobservador — a histopatologia ainda é um dos pilares para o diagnóstico, estadiamento e planejamento terapêutico no câncer de bexiga. Elementos como:
Grau histológico (baixo vs alto grau),
Presença de carcinoma in situ (CIS),
Invasão focal da lâmina própria (T1),
Subtipos histológicos (ex: micropapilar, variantes sarcomatoides)
continuam sendo decisivos na tomada de decisão clínica e estão incorporados em todas as classificações de risco internacionais.
Limitações da Avaliação Humana
Estudos apresentados no IBCG mostraram que mesmo entre patologistas altamente experientes, a concordância diagnóstica sobre o grau tumoral varia entre 60–85%. Isso pode comprometer a homogeneidade dos protocolos clínicos e gerar decisões equivocadas, sobretudo em casos fronteiriços (ex: TA alto grau com áreas de CIS discretas).
Como a IA Pode Contribuir?
A digitalização de lâminas histológicas e o uso de algoritmos de aprendizado profundo (deep learning) estão abrindo novas fronteiras. As aplicações discutidas no evento incluíram:
1. Padronização de Laudos Patológicos
A IA pode ser treinada para identificar CIS, invasão focal e gradações sutis de desdiferenciação com maior uniformidade.
Casos com alta concordância entre especialistas servem como base para o treinamento dos modelos, melhorando a reprodutibilidade.
2. Subclassificação Molecular e Subestadiamento
Análise computacional de imagens permite inferir características subclínicas, como infiltração parcial da lâmina própria ou ausência de muscularis propria na amostra.
Avaliações quantitativas de infiltrado linfocitário, necrose e arquitetura glandular também estão sendo incorporadas aos modelos de predição.
3. Resposta Terapêutica Precoce
Com base em padrões histológicos associados à resposta ao BCG ou quimioterapia intravesical, algoritmos podem antecipar a necessidade de escalonamento terapêutico.
Exemplo: pacientes com padrões histológicos específicos poderiam ser indicados precocemente para agentes imunoterápicos como nadofaragene ou N-803.
Integração entre IA e Patologia Humana
Apesar dos avanços, os especialistas foram unânimes em afirmar: a IA não substitui o patologista. O futuro reside na colaboração:
A IA como uma ferramenta de apoio à decisão;
Patologistas guiando a seleção de cortes histológicos relevantes para treinamento e validação;
Interface com modelos clínicos e radiológicos, dentro de sistemas integrados de predição de risco (ex: nomogramas digitais).
Parte 4 – BCG Ainda É Rei? Evidências, Desafios e Alternativas em Discussão
O Caso em Debate
Durante o encontro, foi apresentado o caso de um paciente de 71 anos, com tumor de bexiga multifocal (TA, alto grau), sem CIS ou envolvimento prostático. O paciente apresentava função renal limitada e dificuldade de aderência terapêutica. O dilema: iniciar BCG padrão com manutenção de 3 anos, reduzir o tempo ou buscar alternativas?
Argumentos a Favor do BCG
O Dr. Joshua Meeks defendeu vigorosamente o BCG como padrão ouro, mesmo após décadas de uso. Os principais argumentos:
Alta eficácia oncológica: resposta completa em até 80% dos pacientes com NMIBC de alto risco;
Durabilidade: sobrevida livre de recidiva e progressão superior a 24 meses em muitos casos;
Baixo custo: entre US$ 175 e US$ 300 por curso, tornando-o incomparável em termos de custo-benefício;
Capacidade prognóstica: a falha ao BCG é, por si só, um fator prognóstico relevante, guiando decisões subsequentes;
Mecanismo imunológico robusto: estudos com scRNAseq mostraram aumento significativo de células TH17 após exposição ao BCG.
Dados de Apoio
Estudo / Coorte | Resposta Completa (12m) | Sobrevida Livre de Progressão (24m) | Tolerabilidade |
CREST / MD Anderson | 75–80% | ~70% | Boa |
EORTC / Estudos clássicos | 60–70% | ~60% | Moderada |
Limitações do BCG
A Dra. Benjamin Pradère apresentou uma visão crítica do BCG, sem desmerecer seus benefícios, mas focando nos seguintes pontos:
Descontinuação por toxicidade: até 40% dos pacientes interrompem antes do fim;
Desafios logísticos: escassez global, principalmente nos EUA e Europa, com estoques limitados e distribuição desigual;
Tolerabilidade real: eventos adversos locais em até 60% dos casos; sistêmicos em até 20%;
Aderência baixa à manutenção de 3 anos: menos de 10% dos pacientes completam o regime completo em muitos centros comunitários.
Alternativas Emergentes
1. Gemcitabina + Docetaxel (GemDoce)
Boa resposta em pacientes com falha ao BCG (CIS): 50–60% em 1 ano;
Progressão em apenas 7% dos casos;
Preservação vesical em 75% dos pacientes após 5 anos;
Custo muito inferior às imunoterapias sistêmicas.
2. Nadofaragene (rAd-IFN/Syn3)
FDA approved;
Resposta completa em 53–60% dos pacientes com CIS refratário ao BCG;
Sobrevida livre de cistectomia em 88–90% aos 2 anos;
Baixo perfil de toxicidade sistêmica.
3. N-803 (Interleucina-15 superagonista + BCG)
Resposta completa em 71% dos casos (CIS);
Doença livre em 52% aos 24 meses;
Potencial de ampliar e prolongar a resposta ao BCG;
Excelente tolerabilidade.
Considerações Práticas
Terapia | Resposta Inicial | Preservação Vesical (2 anos) | Custo Estimado* | Aprovação Reguladora |
BCG | 70–80% | 60–70% | Muito baixo (~US$ 200) | Sim |
GemDoce | 60% | 75% | Muito baixo (~US$ 400) | Off-label |
Nadofaragene | 53–60% | 88–90% | Muito alto | FDA aprovado |
N-803 + BCG | 71% | ~90% | Alto | FDA aprovado |
*Custo estimado para tratamento completo
Parte 5 – Sequenciamento no Paciente BCG-Unresponsive: Cistectomia, GemDoce ou Imunoterapia?
Contexto Clínico
O paciente-tipo discutido foi um homem de 67 anos com CIS de bexiga, refratário ao BCG após curso completo e manutenção. Ele recusava cistectomia, exigindo alternativas viáveis e seguras.
Opção 1 – Terapia Intravesical com Gemcitabina + Docetaxel
Dados Clínicos Apresentados:
Estudo multicêntrico com 276 pacientes (10 centros);
Critérios FDA para BCG-unresponsive em 100 pacientes;
Resposta completa (CIS): 60% em 1 ano, 50% em 2 anos;
Progressão: 7%;
Câncer-específica sobrevida (2 anos): 96%;
Toxicidade grau 3: <5%;
Preservação vesical: 75% em 5 anos.
Observações Relevantes:
A manutenção mensal por até 2 anos é crítica para manter a resposta;
Adesão pode ser um desafio (20–25% dos pacientes não toleram a manutenção completa);
Dados robustos, embora retrospectivos e heterogêneos;
Custo extremamente baixo e fácil preparo ambulatorial.
Opção 2 – Imunoterapia Intravesical com N-803 (IL-15 Superagonista)
Dados do Estudo QUILT:
Coorte A (CIS BCG-unresponsive): 71% de resposta completa em algum momento;
Preservação vesical: 90% aos 2 anos;
Tolerância excelente: apenas 7% de descontinuação;
Sobrevida câncer-específica (2 anos): 100%;
Ensaio prospectivo com nível elevado de evidência.
Críticas Técnicas:
Poucos dados sobre uso em variantes histológicas ou T1 de alto grau;
Disponibilidade limitada e alto custo;
Pode ser opção para pacientes com bexiga funcional e sem complicações urológicas.
Opção 3 – Cistectomia Radical Precoce
Continua sendo o padrão para pacientes refratários ao BCG;
Estudos demonstram sobrevida global superior quando realizada antes de progressão;
Câncer-específica sobrevida de até 85–90% em séries contemporâneas;
Qualidade de vida é fator crítico: requer preparo e aceitação do paciente;
Algumas séries mostraram que resultados com gem/doce ou N-803 se aproximam da cistectomia em termos de controle da doença, com menor morbidade.
Tabela Comparativa: Estratégias de Segunda Linha no Cenário BCG-Unresponsive
Estratégia | Tipo de Estudo | Sobrevida Livre de Doença (2a) | Preservação Vesical | Tox. Grau 3+ | Nível de Evidência | Comentários |
GemDoce | Retrospectivo | 50–55% | 75% | <5% | Moderado | Baixo custo |
N-803 + BCG | Prospectivo (QUILT) | 52% | 90% | 7% | Elevado | Aprovado FDA |
Cistectomia radical | Séries clínicas | 85–90% | — | Alta | Elevado | Curativa |
Sequenciamento Prático
Pacientes com CIS isolado e boa função vesical: considerar imunoterapia intravesical (N-803) ou GemDoce como tentativa de preservação da bexiga.
Recorrência após GemDoce ou N-803: avaliação precoce para cistectomia ou participação em ensaios clínicos.
Histologia variante, progressão para T1HG repetido ou invasão lamina própria persistente: cistectomia continua sendo a abordagem preferencial.
Parte 6 – TURBT de Alta Qualidade: Base da Terapia Individualizada no NMIBC
A Técnica Ainda Importa – E Muito
Durante o encontro, especialistas reforçaram que, mesmo com todos os avanços tecnológicos — IA, biomarcadores, novos agentes —, a qualidade da TURBT permanece como o fator mais determinante no sucesso do tratamento inicial do câncer de bexiga não músculo-invasivo (NMIBC).
Estudo Clássico Ilustrativo:
Revisão de 70 ensaios clínicos europeus;
Variação da taxa de recidiva na primeira cistoscopia: 7% a 45%;
Mesma tecnologia utilizada entre os centros;
Diferença atribuída unicamente à técnica e julgamento do cirurgião.
Princípios de Uma TURBT de Excelência
Etapa | Boa Prática | Impacto Esperado |
Avaliação prévia (imagens, cisto) | Localização, número e tamanho documentados | Planejamento da abordagem |
Técnica cirúrgica | Inclusão de muscular própria na amostra | Estadiamento correto |
Controle hemostático | Evitar perfurações e carbonização excessiva | Reduz complicações |
Exame bimanual | Avaliação de fixação e extensão extravesical | Importante em T1 e suspeitas |
Revisão de leito tumoral | Nova ressecção se necessário (re-TUR em T1, alto grau) | Reduz doença residual |
Registro fotográfico (ex: cistoscopia com NBI ou luz azul) | Documentação para seguimento e ensino | Auxilia decisão futura |
Tecnologia: Complementar, Não Substitutiva
Cistoscopia com luz azul ou NBI: melhora detecção de lesões planas e multifocais (ex: CIS oculto);
IA em tempo real (em desenvolvimento): suporte na diferenciação visual entre tecidos benignos e malignos;
Plataformas digitais de registro cirúrgico: integradas a laudos, auxiliam revisões futuras e discussões multidisciplinares.
Consenso Final do Painel
“A melhor ferramenta continua sendo um cirurgião preparado, atento aos princípios técnicos e com julgamento oncológico refinado.”
Conclusões e Aplicações Práticas
Lições do Encontro do IBCG para a Prática Clínica
Estratificação precisa é fundamental – Incorporar modelos com IA pode redefinir categorias intermediárias e guiar melhor as decisões.
Histopatologia e IA devem caminhar juntas – A inteligência artificial não substitui o patologista, mas pode padronizar e ampliar a acurácia diagnóstica.
BCG ainda é o tratamento padrão, mas enfrenta desafios de logística e tolerância. Alternativas eficazes (GemDoce, N-803, nadofaragene) ganham força.
Cistectomia precoce continua sendo uma ferramenta poderosa, mas sua indicação deve ser individualizada.
TURBT de qualidade é insubstituível – A cirurgia bem feita é a base para todas as decisões subsequentes.
REFERENCIAS:
1- AUA 2025, Las Vegas
2- Minhas anotações durante o Fórum anual da IBCG
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Dr. Bruno Benigno | Urologista | CRM SP 126265 | RQE 60022
Equipe da Clínica Uro Onco - São Paulo - SP
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