top of page

O Futuro do Câncer de Bexiga Não Músculo-Invasivo: Do Microscópio à IA Clínica

Entenda por que os sistemas de estratificação clássicos estão ultrapassados e como a inteligência artificial está revolucionando a prática urológica.




Parte 1 – Introdução, Contexto Global e Missão do IBCG


O que é o IBCG e sua Relevância na Prática Urológica Atual

O International Bladder Cancer Group (IBCG) é uma coalizão internacional de especialistas cuja missão é melhorar os desfechos clínicos em câncer de bexiga por meio da adoção de tratamentos baseados em evidência e da produção de ferramentas educacionais práticas e globais. Fundado em 2006, o grupo tem atuação significativa não apenas na América do Norte e Europa, mas também em países da Ásia, América Latina e Oriente Médio.


Iniciativas e Impacto Científico

Entre as ações de destaque do IBCG estão:

  • A criação de um registro global de pacientes com câncer de bexiga (em colaboração com BCAN nos EUA);

  • Participação ativa na elaboração de diretrizes locais em países como Chile;

  • Desenvolvimento de publicações científicas com impacto em decisões regulatórias (ex: uso pelo FDA de modelos de decisão do IBCG);

  • Parcerias com instituições como o Ministério da Saúde de países em desenvolvimento e plataformas como a UroToday.


Papel Educacional e Avanços Tecnológicos

O grupo tem apostado fortemente na disseminação de conhecimento por meio de reuniões presenciais e virtuais, newsletters, vídeos e participação em congressos como a AUA. Um dos temas centrais do evento mais recente foi a incorporação de inteligência artificial (IA) e biomarcadores na estratificação de risco dos tumores não músculo-invasivos (NMIBC), especialmente no grupo intermediário – uma zona cinzenta na prática clínica.



Parte 2 – Estratificação de Risco no Câncer de Bexiga Não Músculo-Invasivo (NMIBC): Avanços com IA


Desafios do Sistema Atual

A estratificação de risco tradicional (ex: EORTC e EAU) baseia-se em dados desatualizados:

  • Muitos pacientes desses modelos não receberam terapia com BCG;

  • A classificação histológica utilizada (WHO 1973) não é a mais recente;

  • A acurácia prognóstica é limitada, especialmente para o grupo intermediário.


Estudo Multicêntrico Internacional com IA

Um consórcio internacional reuniu mais de 12.000 pacientes com NMIBC (dados da América do Norte, Canadá e Europa) para treinar e validar um modelo de IA com:

  • Conjunto de treinamento com >3.000 pacientes;

  • Validação externa com >9.000 pacientes.


Principais Resultados

Modelo Avaliado

C-Index

Calibração

Curva de Decisão

Benefício Clínico

Calculadora EAU tradicional

Inferior

Menos precisa

Menor

Limitado

Modelo com IA

Superior

Ótima

Melhor desempenho

Amplo

O modelo com IA superou significativamente a calculadora EAU, tanto nos centros acadêmicos quanto nos comunitários, independentemente do uso de BCG, da aderência às diretrizes ou da classificação patológica adotada.


Redefinindo o Risco Intermediário

A IA permitiu dividir pacientes com risco intermediário em três grupos distintos:

  • Baixo risco de progressão (<2%) – Semelhante ao grupo de risco baixo;

  • Risco intermediário (7%) – Verdadeiramente moderado;

  • Alto risco de progressão (17%) – Similar ao grupo de risco alto.

Isso representa um avanço prático considerável para a tomada de decisão clínica, sobretudo em relação à indicação de BCG, vigilância ativa ou tratamentos alternativos.


Parte 3 – Inteligência Artificial na Histopatologia: Complemento ou Revolução?


O Papel da Histopatologia Convencional

Apesar das limitações conhecidas — como a variabilidade interobservador — a histopatologia ainda é um dos pilares para o diagnóstico, estadiamento e planejamento terapêutico no câncer de bexiga. Elementos como:

  • Grau histológico (baixo vs alto grau),

  • Presença de carcinoma in situ (CIS),

  • Invasão focal da lâmina própria (T1),

  • Subtipos histológicos (ex: micropapilar, variantes sarcomatoides)

continuam sendo decisivos na tomada de decisão clínica e estão incorporados em todas as classificações de risco internacionais.


Limitações da Avaliação Humana

Estudos apresentados no IBCG mostraram que mesmo entre patologistas altamente experientes, a concordância diagnóstica sobre o grau tumoral varia entre 60–85%. Isso pode comprometer a homogeneidade dos protocolos clínicos e gerar decisões equivocadas, sobretudo em casos fronteiriços (ex: TA alto grau com áreas de CIS discretas).


Como a IA Pode Contribuir?

A digitalização de lâminas histológicas e o uso de algoritmos de aprendizado profundo (deep learning) estão abrindo novas fronteiras. As aplicações discutidas no evento incluíram:


1. Padronização de Laudos Patológicos

  • A IA pode ser treinada para identificar CIS, invasão focal e gradações sutis de desdiferenciação com maior uniformidade.

  • Casos com alta concordância entre especialistas servem como base para o treinamento dos modelos, melhorando a reprodutibilidade.


2. Subclassificação Molecular e Subestadiamento

  • Análise computacional de imagens permite inferir características subclínicas, como infiltração parcial da lâmina própria ou ausência de muscularis propria na amostra.

  • Avaliações quantitativas de infiltrado linfocitário, necrose e arquitetura glandular também estão sendo incorporadas aos modelos de predição.


3. Resposta Terapêutica Precoce

  • Com base em padrões histológicos associados à resposta ao BCG ou quimioterapia intravesical, algoritmos podem antecipar a necessidade de escalonamento terapêutico.

  • Exemplo: pacientes com padrões histológicos específicos poderiam ser indicados precocemente para agentes imunoterápicos como nadofaragene ou N-803.


Integração entre IA e Patologia Humana

Apesar dos avanços, os especialistas foram unânimes em afirmar: a IA não substitui o patologista. O futuro reside na colaboração:

  • A IA como uma ferramenta de apoio à decisão;

  • Patologistas guiando a seleção de cortes histológicos relevantes para treinamento e validação;

  • Interface com modelos clínicos e radiológicos, dentro de sistemas integrados de predição de risco (ex: nomogramas digitais).



Parte 4 – BCG Ainda É Rei? Evidências, Desafios e Alternativas em Discussão


O Caso em Debate

Durante o encontro, foi apresentado o caso de um paciente de 71 anos, com tumor de bexiga multifocal (TA, alto grau), sem CIS ou envolvimento prostático. O paciente apresentava função renal limitada e dificuldade de aderência terapêutica. O dilema: iniciar BCG padrão com manutenção de 3 anos, reduzir o tempo ou buscar alternativas?


Argumentos a Favor do BCG

O Dr. Joshua Meeks defendeu vigorosamente o BCG como padrão ouro, mesmo após décadas de uso. Os principais argumentos:

  • Alta eficácia oncológica: resposta completa em até 80% dos pacientes com NMIBC de alto risco;

  • Durabilidade: sobrevida livre de recidiva e progressão superior a 24 meses em muitos casos;

  • Baixo custo: entre US$ 175 e US$ 300 por curso, tornando-o incomparável em termos de custo-benefício;

  • Capacidade prognóstica: a falha ao BCG é, por si só, um fator prognóstico relevante, guiando decisões subsequentes;

  • Mecanismo imunológico robusto: estudos com scRNAseq mostraram aumento significativo de células TH17 após exposição ao BCG.


Dados de Apoio

Estudo / Coorte

Resposta Completa (12m)

Sobrevida Livre de Progressão (24m)

Tolerabilidade

CREST / MD Anderson

75–80%

~70%

Boa

EORTC / Estudos clássicos

60–70%

~60%

Moderada

Limitações do BCG

A Dra. Benjamin Pradère apresentou uma visão crítica do BCG, sem desmerecer seus benefícios, mas focando nos seguintes pontos:

  • Descontinuação por toxicidade: até 40% dos pacientes interrompem antes do fim;

  • Desafios logísticos: escassez global, principalmente nos EUA e Europa, com estoques limitados e distribuição desigual;

  • Tolerabilidade real: eventos adversos locais em até 60% dos casos; sistêmicos em até 20%;

  • Aderência baixa à manutenção de 3 anos: menos de 10% dos pacientes completam o regime completo em muitos centros comunitários.


Alternativas Emergentes

1. Gemcitabina + Docetaxel (GemDoce)

  • Boa resposta em pacientes com falha ao BCG (CIS): 50–60% em 1 ano;

  • Progressão em apenas 7% dos casos;

  • Preservação vesical em 75% dos pacientes após 5 anos;

  • Custo muito inferior às imunoterapias sistêmicas.


2. Nadofaragene (rAd-IFN/Syn3)

  • FDA approved;

  • Resposta completa em 53–60% dos pacientes com CIS refratário ao BCG;

  • Sobrevida livre de cistectomia em 88–90% aos 2 anos;

  • Baixo perfil de toxicidade sistêmica.


3. N-803 (Interleucina-15 superagonista + BCG)

  • Resposta completa em 71% dos casos (CIS);

  • Doença livre em 52% aos 24 meses;

  • Potencial de ampliar e prolongar a resposta ao BCG;

  • Excelente tolerabilidade.


Considerações Práticas

Terapia

Resposta Inicial

Preservação Vesical (2 anos)

Custo Estimado*

Aprovação Reguladora

BCG

70–80%

60–70%

Muito baixo (~US$ 200)

Sim

GemDoce

60%

75%

Muito baixo (~US$ 400)

Off-label

Nadofaragene

53–60%

88–90%

Muito alto

FDA aprovado

N-803 + BCG

71%

~90%

Alto

FDA aprovado

*Custo estimado para tratamento completo


Parte 5 – Sequenciamento no Paciente BCG-Unresponsive: Cistectomia, GemDoce ou Imunoterapia?


Contexto Clínico

O paciente-tipo discutido foi um homem de 67 anos com CIS de bexiga, refratário ao BCG após curso completo e manutenção. Ele recusava cistectomia, exigindo alternativas viáveis e seguras.


Opção 1 – Terapia Intravesical com Gemcitabina + Docetaxel

Dados Clínicos Apresentados:

  • Estudo multicêntrico com 276 pacientes (10 centros);

  • Critérios FDA para BCG-unresponsive em 100 pacientes;

  • Resposta completa (CIS): 60% em 1 ano, 50% em 2 anos;

  • Progressão: 7%;

  • Câncer-específica sobrevida (2 anos): 96%;

  • Toxicidade grau 3: <5%;

  • Preservação vesical: 75% em 5 anos.

Observações Relevantes:

  • A manutenção mensal por até 2 anos é crítica para manter a resposta;

  • Adesão pode ser um desafio (20–25% dos pacientes não toleram a manutenção completa);

  • Dados robustos, embora retrospectivos e heterogêneos;

  • Custo extremamente baixo e fácil preparo ambulatorial.


Opção 2 – Imunoterapia Intravesical com N-803 (IL-15 Superagonista)

Dados do Estudo QUILT:

  • Coorte A (CIS BCG-unresponsive): 71% de resposta completa em algum momento;

  • Preservação vesical: 90% aos 2 anos;

  • Tolerância excelente: apenas 7% de descontinuação;

  • Sobrevida câncer-específica (2 anos): 100%;

  • Ensaio prospectivo com nível elevado de evidência.

Críticas Técnicas:

  • Poucos dados sobre uso em variantes histológicas ou T1 de alto grau;

  • Disponibilidade limitada e alto custo;

  • Pode ser opção para pacientes com bexiga funcional e sem complicações urológicas.


Opção 3 – Cistectomia Radical Precoce

  • Continua sendo o padrão para pacientes refratários ao BCG;

  • Estudos demonstram sobrevida global superior quando realizada antes de progressão;

  • Câncer-específica sobrevida de até 85–90% em séries contemporâneas;

  • Qualidade de vida é fator crítico: requer preparo e aceitação do paciente;

  • Algumas séries mostraram que resultados com gem/doce ou N-803 se aproximam da cistectomia em termos de controle da doença, com menor morbidade.


Tabela Comparativa: Estratégias de Segunda Linha no Cenário BCG-Unresponsive

Estratégia

Tipo de Estudo

Sobrevida Livre de Doença (2a)

Preservação Vesical

Tox. Grau 3+

Nível de Evidência

Comentários

GemDoce

Retrospectivo

50–55%

75%

<5%

Moderado

Baixo custo

N-803 + BCG

Prospectivo (QUILT)

52%

90%

7%

Elevado

Aprovado FDA

Cistectomia radical

Séries clínicas

85–90%

Alta

Elevado

Curativa

Sequenciamento Prático

  • Pacientes com CIS isolado e boa função vesical: considerar imunoterapia intravesical (N-803) ou GemDoce como tentativa de preservação da bexiga.

  • Recorrência após GemDoce ou N-803: avaliação precoce para cistectomia ou participação em ensaios clínicos.

  • Histologia variante, progressão para T1HG repetido ou invasão lamina própria persistente: cistectomia continua sendo a abordagem preferencial.


Parte 6 – TURBT de Alta Qualidade: Base da Terapia Individualizada no NMIBC


A Técnica Ainda Importa – E Muito

Durante o encontro, especialistas reforçaram que, mesmo com todos os avanços tecnológicos — IA, biomarcadores, novos agentes —, a qualidade da TURBT permanece como o fator mais determinante no sucesso do tratamento inicial do câncer de bexiga não músculo-invasivo (NMIBC).


Estudo Clássico Ilustrativo:

  • Revisão de 70 ensaios clínicos europeus;

  • Variação da taxa de recidiva na primeira cistoscopia: 7% a 45%;

  • Mesma tecnologia utilizada entre os centros;

  • Diferença atribuída unicamente à técnica e julgamento do cirurgião.


Princípios de Uma TURBT de Excelência

Etapa

Boa Prática

Impacto Esperado

Avaliação prévia (imagens, cisto)

Localização, número e tamanho documentados

Planejamento da abordagem

Técnica cirúrgica

Inclusão de muscular própria na amostra

Estadiamento correto

Controle hemostático

Evitar perfurações e carbonização excessiva

Reduz complicações

Exame bimanual

Avaliação de fixação e extensão extravesical

Importante em T1 e suspeitas

Revisão de leito tumoral

Nova ressecção se necessário (re-TUR em T1, alto grau)

Reduz doença residual

Registro fotográfico (ex: cistoscopia com NBI ou luz azul)

Documentação para seguimento e ensino

Auxilia decisão futura

Tecnologia: Complementar, Não Substitutiva

  • Cistoscopia com luz azul ou NBI: melhora detecção de lesões planas e multifocais (ex: CIS oculto);

  • IA em tempo real (em desenvolvimento): suporte na diferenciação visual entre tecidos benignos e malignos;

  • Plataformas digitais de registro cirúrgico: integradas a laudos, auxiliam revisões futuras e discussões multidisciplinares.


Consenso Final do Painel

“A melhor ferramenta continua sendo um cirurgião preparado, atento aos princípios técnicos e com julgamento oncológico refinado.”

Conclusões e Aplicações Práticas


Lições do Encontro do IBCG para a Prática Clínica

  1. Estratificação precisa é fundamental – Incorporar modelos com IA pode redefinir categorias intermediárias e guiar melhor as decisões.

  2. Histopatologia e IA devem caminhar juntas – A inteligência artificial não substitui o patologista, mas pode padronizar e ampliar a acurácia diagnóstica.

  3. BCG ainda é o tratamento padrão, mas enfrenta desafios de logística e tolerância. Alternativas eficazes (GemDoce, N-803, nadofaragene) ganham força.

  4. Cistectomia precoce continua sendo uma ferramenta poderosa, mas sua indicação deve ser individualizada.

  5. TURBT de qualidade é insubstituível – A cirurgia bem feita é a base para todas as decisões subsequentes.


REFERENCIAS:

1- AUA 2025, Las Vegas

2- Minhas anotações durante o Fórum anual da IBCG


🔸 Contato: ☎ (11) 2769-3929 📱 (11) 99590-1506 | WhatsApp: 📲 [Link Direto](https://bit.ly/2OIObBx)

💻 [www.clinicauroonco.com.br](https://www.clinicauroonco.com.br) | [Agende sua consulta](http://bit.ly/2WMMiCI)

📍 R. Borges Lagoa 1070, Cj 52, Vila Mariana - São Paulo - SP


Somos especialistas em uro-oncologia e cirurgia robótica, atendendo pacientes de todo o Brasil. Entre em contato com nossa equipe pelo site, telefone ou WhatsApp para agendar uma consulta presencial ou por teleatendimento.


Considere se tornar um membro do nosso canal no YouTube. Temos uma live semanal para tirar dúvidas sobre câncer de próstata, além de conteúdos exclusivos para assinantes. [Clique aqui para se tornar um membro](https://bit.ly/YouTube_Membro_Exclusivo).


Dr. Bruno Benigno | Urologista | CRM SP 126265 | RQE 60022

Equipe da Clínica Uro Onco - São Paulo - SP

 
 
 

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating
Urologista e Oncologista em São Paulo | São Paulo
  • Youtube
  • Instagram
  • LinkedIn
  • Facebook
  • Twitter
CIRURGIA ROBOTICA UROLOGISTA DR BRUNO BENIGNO

Entre em conosco agora mesmo

Obrigado(a). Logo responderemos. 

Hospital Oswaldo Cruz | Uro Onco Clínica Urologia e Oncologia | São Paulo
Hospital Sírio Libanês | Uro Onco Clínica Urologia e Oncologia | São Paulo
Hospital Nove de Julho | Uro Onco Clínica Urologia e Oncologia | São Paulo
Hospital Santa Catarina | Uro Onco Clínica Urologia e Oncologia | São Paulo
Hospital Vila Nova Star | Uro Onco Clínica Urologia e Oncologia | São Paulo

Rua Borges Lagoa 1070, Cj 52 | 04038-002 | São Paulo - SP

©  2019 por Clínica Uro Onco. Responsável técnico: Dr. Bruno Benigno CRM SP: 126265 | REQ 60022 - CNPJ: 30.058.810/0001-60

bottom of page